O presidente da ICE, Jeffrey Sprecher (esq.), confiou a Thomas Farley (dir.) a tarefa de mudar a cultura da Nyse. Keith Bedford for The Wall Street Journal
Um dia após assumir o controle da New York Stock Exchange, a bolsa de valores de Nova York, o diretor-presidente e presidente do conselho de administração da Intercontinental Exchange Inc., Jeffrey Sprecher, encarregou seu braço direito, Thomas Farley, de remodelar esse ícone do capitalismo criado há 222 anos.
Ao chegar ao prédio na esquina da Wall Street com a Broad Street, no sul de Manhattan, Farley se sentiu perdido num labirinto de corredores e salas, onde os funcionários não interagiam com os colegas. Em poucos minutos, Farley tomou uma decisão: mudar completamente esse lugar.
Desde então, Farley e seu chefe vêm empreendendo uma renovação total da antiga Nyse Euronext, comprada por US$ 8,2 bilhões. Eles querem reduzir a empresa, simplificar suas operações e reformular sua cultura. O número de funcionários e terceirizados, por exemplo, já recuou de 4.000 para cerca da metade.
Da equipe de 22 pessoas que dirigia a Nyse Euronext antes da aquisição, apenas 3 ainda trabalham na ICE. Grande parte do que o ex-diretor-presidente da Nyse, Duncan Niederauer, que saiu da empresa na sexta-feira passada, fez nos últimos sete anos está sendo desfeito por Sprecher e Farley. Niederauer não quis comentar.
Alguns veem as mudanças como um sinal que os dias de pregão na bolsa de Nova York, onde especialistas ainda fazem um pequeno número de negócios, estão contados ou que a ICE vai vender a bolsa.
Sprecher diz querer que a bolsa, conhecida como Big Board, fique ainda melhor na sua especialidade: ajudar as empresas americanas a levantar capital e encorajar as pessoas a investir nelas.
Para chegar lá, US$ 80 milhões serão investidos em renovação para transformar o interior reservado da Nyse num lugar moderno, com áreas abertas e salas de conferência com paredes de vidro. Escritórios executivos serão transformados em espaços para as empresas com ações negociadas na Nyse.
Alguns executivos que foram afastados com a aquisição dizem que a ICE está indo rápido demais. Para a empresa, "tudo é uma questão de lucro", diz Paul Cassell, antigo diretor de tecnologia da informação da Nyse Euronext nos Estados Unidos, que saiu no fim de 2013.
Muitos questionam o quanto a ICE poderá realizar considerando o quanto a Nyse já perdeu de importância. Há dez anos, a bolsa era responsável por cerca de 80% dos negócios com ações nos EUA. Hoje, tem 20% do mercado.
"Muita gente fala que somos ingênuos", diz Sprecher, um engenheiro químico de 59 anos que montou a ICE em 2000, como uma plataforma on-line para o mercado de energia. Ele diz que haverá mais mudanças.
Sprecher diz que quer unificar em apenas duas as cinco bolsas de valores e opções que a Nyse Euronext ainda tem. Ele também quer se concentrar mais em ajudar as empresas a negociar suas ações na bolsa — e menos na rotina diária de compra e venda de ações.
O executivo acredita que ficou muito complicado operar com ações, então está planejando também uma série de ajustes internos para simplificar as operações. Ele é um grande defensor de mudanças regulatórias para trazer as transações que ocorrem em ambientes privados, as chamadas "dark pools", de volta para bolsas públicas como a Nyse.
Kenneth Langone, um dos fundadores da varejista de produtos para casa Home Depot Inc. e ex-diretor da Nyse, é cético quanto à recuperação do domínio da Nyse porque os mercados financeiros modernos não precisam mais de instituições físicas onerosas para efetuar operações.
"Ela é uma sombra do que já foi", diz Langone. "Você pode atirar uma bola de boliche no pregão e não atingir ninguém."
A ICE afirma que os desafios são a razão principal das contínuas mudanças. A Nyse precisa ser menos apegada às próprias tradições, diz Sprecher, que deu ordens estritas a Farley quando o colocou no comando do Nyse Group Inc., no lugar de Niererauer. "Disse a ele que queria que a nossa cultura fosse aquela que sobrevivesse", diz Sprecher.
Farley cortou o serviço de refeições para funcionários, a opção de trabalhar em casa e as viagens de negócios, principalmente para o exterior. Todos os pedidos de viagem são agora analisados, segundo pessoas a par do assunto.
Em 2007, Sprecher contratou Farley para transformar a New York Board of Trade, onde os futuros de commodities como algodão, café, açúcar e cacau eram negociados desde o século XIX, numa plataforma eletrônica moderna. Farley fechou o pregão histórico da NYBOT. A ICE comprou a NYBOT em 2006 por US$ 1 bilhão.
Quando a ICE anunciou a aquisição da NYSE Euronext, no fim de 2012, o primeiro alvo foi a London International Financial Futures and Options Exchange, a bolsa de Londres, conhecida como Liffe. A bolsa se encaixou perfeitamente na constelação de bolsas de derivativos globais e operações de compensação da ICE. Em 2013, a empresa teve faturamento de US$ 1,67 bilhão e lucro de US$ 254 milhões.
A Nyse, porém, é um caso mais problemático. Devido a regras mais restritas e concorrência mais acirrada, as bolsas de valores não são tão lucrativas quanto as de derivativos. Alguns analistas previram que a ICE tentaria vender a Nyse.
Em vez disso, Sprecher decidiu desmontar o trabalho de seus predecessores. Enquanto antigos executivos da Nyse tentaram diversificar oferecendo tecnologia e novos dados de mercado para os chamados operadores de alta frequência, Sprecher está freando essas iniciativas.
Ele quer posicionar a Nyse como uma plataforma mais simples para investidores e empresas. Ele acredita que ajudará a bolsa a atrair mais aberturas de capital. Em junho, a bolsa venceu a batalha pela primeira oferta pública de ações do gigante de internet chinês Alibaba Group Holding Ltd., que deve acontecer no fim do mês e pode levantar mais de US$ 20 bilhões.
Sprecher e Farley dizem que a presença de corretores na Nyse é uma grande vantagem para atrair aberturas de capital.
Analistas dizem que as ofertas de ações podem ser uma fonte constante de faturamento, mas a saúde do negócio em geral depende do volume de operações. A ICE também corre o risco de desagradar os operadores de alta frequência, que geram um grande volume de negócios.
Se a reforma não gerar lucro rapidamente, Sprecher pode vender a Nyse, dizem muitos. Ele, contudo, afirma que não planeja vender a bolsa e que não voltará atrás nas mudanças.