Estratégia também é emergente!

Os alunos do curso de administração aprendem (de acordo com H. Mintzberg) que a estratégia além de ser premeditada, ela surge...emerge. Vejam a materia com o técnico Bernadinho da seleção de Volley, publicada na revista Época.

Contei com o imponderável

O técnico Bernardinho lembra seu erro de estratégia na derrota para Cuba na Olimpíada de Atlanta

BERNARDO ROCHA DE RESENDE (EM DEPOIMENTO A FLÁVIA YURI)

BERNARDO ROCHA DE RESENDE Técnico da seleção masculina de vôlei do Brasil. Conquistou mais de 30 títulos, incluindo quatro medalhas olímpicas  (Foto: Ricardo Corrêa/Ed. Globo)

Meu erro (Foto: reprodução)

"Na Olimpíada de 1996, em Atlanta, nos Estados Unidos, eu era técnico da seleção feminina de vôlei. Quando as chaves (grupos de times) foram definidas, desenhei a estratégia que seguiríamos. Cuba era a grande favorita. Era a seleção de vôlei que botava medo em todo o mundo.

Vi quem seriam os adversários de Cuba e os nossos, pois estávamos no mesmo grupo. Prometi às meninas que, se ficássemos em primeiro ou segundo lugar na chave, só enfrentaríamos Cuba novamente na final. A cada jogo que vencíamos, eu reforçava a estratégia. E fomos vencendo jogo a jogo, de olho na final com Cuba.

O problema foi que Cuba não cumpriu sua parte no meu plano. Cuba perdeu da Rússia, por isso tivemos de enfrentá-la na semifinal. A semifinal é uma etapa muito mais tensa do que a final. Se você ganha, pode disputar o ouro. Mas, se perde, dependendo dos outros resultados, pode estar fora da Olimpíada. Foi um choque pegar Cuba justamente nessa fase. Perdemos por 3 a 2 num jogo muito duro, as meninas ficaram arrasadas. Gerei uma expectativa que virou uma grande frustração.

A estratégia tem um papel muito importante num campeonato e no desempenho dos jogadores. Acredito que metas não são impostas. Na realidade, estabelecemos um pacto. Ao criar uma estratégia, mostro o caminho para a equipe, explico os motivos por trás daquilo, e as pessoas, à medida que entendem, aderem àquela ideia e se comprometem. Meu erro foi montar uma estratégia inteira baseada em algo que estava fora do meu controle: o bom rendimento de Cuba. Acabei criando uma ilusão. Quando as coisas não saíram como prevíamos, a equipe ficou emocionalmente abalada.

Depois da derrota para Cuba, a gente tinha outro desafio. Haveria só um dia de intervalo antes de disputarmos o bronze com a Rússia, outra equipe de primeira linha. As garotas estavam arrasadas. O desafio era transformar aquela frustração numa reação produtiva para buscarmos o bronze. Tínhamos pouco tempo para restaurar o ânimo. Não dava para ficar remoendo a derrota. Era aprender e seguir em frente. No dia seguinte, todos esperavam um treino leve. Afinal, tínhamos uma partida que valia medalha pela frente. E as jogadoras estavam exaustas. Decidi dar um treino pesado, do tipo “arrasa quarteirão”. Daqui a pouco, ouço uma jogadora comentando com a outra: “Minha perna está doendo muito. Vai ser difícil jogar amanhã”. Aquela foi a primeira observação que me deu uma certa tranquilidade. Era a confirmação de que as jogadoras estavam começando a pensar no jogo seguinte. Estavam deixando a derrota para trás. O foco estava na próxima batalha, a única que importava naquele momento.

Deu certo. Conquistamos a medalha de bronze, num jogo difícil contra a Rússia. Cuba levou o ouro. Hoje, tomo muito cuidado com a mensagem que passo para os jogadores. Não podemos contar com o que não controlamos."