Brasil vai produzir etanol de segunda geração em 2014


 
Esta é a principal aposta nacional para aumentar a oferta do produto sem que seja preciso elevar a área plantada de cana-de-açúcar

Se tudo sair como o planejado, o Brasil dará o pontapé inicial, em 2014, na produção de etanol de segunda geração em escala industrial. O etanol 2G, como está sendo chamado, é a principal aposta nacional para aumentar a oferta do produto sem que seja preciso elevar a área plantada de cana-de-açúcar. Isso porque o álcool 2G brasileiro será produzido da celulose obtida da palha e do bagaço da cana, as sobras do processo atual de produção de etanol. Calcula-se que, com essa tecnologia, seja possível elevar em até 50% a produção atual de 20 bilhões de litros de álcool combustível no país. É uma alternativa interessante num momento em que se coloca em xeque a expansão de áreas agrícolas para produção de biocombustíveis em detrimento dos alimentos.

O preço do álcool 2G ainda é um desafio para o setor. O custo de produção do etanol tradicional gira em torno de R$ 1,10 por litro. O esforço é para que o álcool 2G seja produzido por cerca de US$ 0,40 por litro (R$ 0,80). A estimativa é que, em pouco tempo, seja possível produzi-lo por até 30% menos. O que está pesando neste momento é o investimento financeiro elevado dos pioneiros dessa nova tecnologia, seja para construir novas plantas, em logística ou mesmo em pesquisas e testes, como melhoramento genético da cana.

- O custo do etanol 2G ou etanol celulósico tende a cair, já que nele não estão embutidos os gastos com a terra. Mas o investimento para montar uma fábrica é cerca de 30% maior do que numa planta tradicional, porque o processo de produção é mais sofisticado - diz Bernardo Gradin, presidente da GraalBio, empresa que promete inaugurar no início de 2014 a primeira planta brasileira de etanol 2G, na cidade de São Miguel dos Campos, em Alagoas.

No início deste ano, o BNDESPar, braço de investimentos do Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), comprou 15% da empresa por R$ 600 milhões. O dinheiro será desembolsado aos poucos, conforme o cronograma do plano de negócios for sendo executado. O BNDES está apoiando 25 empresas na implementação de 35 planos de negócios voltados para a produção do álcool de segunda geração.

- Nós damos suporte a iniciativas para desenvolvimento de tecnologias com perspectiva de produção de curto prazo. Através do nosso Plano Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial no Setor Sucroenergético (Paiss), chegamos a R$ 1,5 bilhão aprovados, incluindo a operação da GraalBio - diz Carlos Eduardo de Siqueira Cavalcanti, chefe do Departamento de Biocombustíveis do BNDES.

Há outras iniciativas saindo do papel. O Centro de Tecnologia Canaveira (CTC) já anunciou uma planta de etanol celulósico na cidade de São Manoel, também no interior de São Paulo. A planta será na usina de mesmo nome e terá capacidade de produzir 3 milhões de litros por ano. A fase pré-comercial começa em 2014.

- Estamos na fase de detalhamento do projeto. Os equipamentos para a planta serão desenvolvidos por uma empresa austríaca - diz Robson Freitas, diretor de negócios e novas tecnologias do CTC.

A Odebrecht Agroindustrial anunciou um acordo com a dinamarquesa Inbicon, do grupo Dong Energy, para a produção do biocombustível. A Raízen, uma sociedade entre a Cosan e a Shell, prevê para o final de 2014 a inauguração de sua primeira unidade industrial de etanol 2G no Brasil. A Petrobras optou pelo desenvolvimento de uma tecnologia própria e quer ter o etanol 2G nos seus postos de combustível em 2015. A petrolífera já utilizou o álcool celulósico para abastecer as minivans utilizadas para transporte na Rio+20.

O Brasil é o maior produtor mundial de etanol de cana. É, portanto, um potencial candidato a se tornar o maior produtor de etanol 2G. Calcula-se que, na próxima década, o consumo desse produto cresça em pelo menos mais 20 bilhões de litros. O aumento do número de veículos movidos a etanol faz do país um mercado consumidor estratégico. Mesmo assim, são os Estados Unidos que lideram a corrida pelo álcool 2G. O governo americano faz empréstimos subsidiados e oferece uma espécie de prêmio pagando mais caro para quem produzir etanol celulósico.

A produção de biocombustíveis é uma esperança para a menor dependência de combustíveis fósseis. A geração de energia limpa, porém, tem suscitado debates entre ambientalistas e economistas. A terra que produz etanol é a mesma usada para o plantio de alimentos. Há dúvidas também quanto a real eficácia da redução das emissões de dióxido de carbono e a diminuição da oferta de solos férteis para atender à totalidade da demanda mundial por comida.

Estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, porém, sugere que terras marginais, consideradas inadequadas para a agricultura, podem ser locais atraentes para o cultivo da energia alternativa. Algo parecido com estudos brasileiros que demonstram a capacidade do uso de territórios não produtivos para o plantio de mamona e dendê, ambos usados na produção de biodiesel.

Terras improdutivas

As terras marginais de dez estados do Meio Oeste dos Estados Unidos foram o objetivo de estudo dos americanos. Após duas décadas de pesquisa e coleta de dados, concluiu-se que plantas herbáceas cultivadas neste tipo de solo podem produzir biomassa suficiente para atender a demanda deste tipo de combustível e, ainda, mitigar as emissões de gases de efeito estufa. A equipe de pesquisadores avaliou os rendimentos energéticos dos biocombustíveis, as emissões de gases e as mudanças no solo. Os dados forram comparados com o que é produzido da maneira tradicional pelo mesmo período de tempo.

Todos os sistemas de cultivo de biocombustíveis são espécies de sumidouros de dióxido de carbono atmosférico, como mostra a pesquisa. Os autores surpreenderam-se, porém, quando detectaram que a vegetação herbácea de terras com baixa produtividade arável e abandonadas produzem energia comparavelmente maior e também têm mais capacidade de absorver gases de efeito estufa. O trabalho vai além e mostra que a produção de energia nestes casos pode aumentar em até 50% a produtividade, em casos de adubação nitrogenada no solo.

- Vimos que são plantas que se adaptam mais facilmente ao clima para produzir estes efeitos - explica Ilya Gelfand, um dos autores do estudo.

A novidade mais atraente da descoberta, para o pesquisador, é a possibilidade de dar uma utilidade energética e sustentável a terras que pareciam imobilizadas. O estudo é considerado pelos autores o primeiro convincente do impacto de sistemas de produção de biocombustíveis sobre o aquecimento global devido ao longo período de trabalho.

Nas áreas estudadas nos Estados Unidos, os territórios podem render cerca de 21 bilhões de litros de etanol por ano a partir de 11 milhões de hectares. É o equivalente à retirada de 40 teragramas de gás carbônico a cada ano, ou dez milhões de carros que trafegam cerca de 20 mil quilômetros por ano. Perguntado sobre a possibilidade de resultados semelhantes serem encontrados no Brasil, Gelfand aposta que sim.

A concorrência com a geração de alimentos em terras férteis também tem chamado a atenção de pesquisadores brasileiros. Já há estudos que mostram a possibilidade de gerar biodiesel através do cultivo de mamona, dendê e pinhão manso em áreas não consideradas produtivas. Desta maneira, não só se evita a competição com outros tipos de produção, como ajudam a recuperar o solo degradado.

Para Cleveland Jones, professor da Faculdade de Geologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o governo precisa facilitar o investimento nas terras não produtivas. No momento, porém, o foco tem sido especialmente no etanol.

- A prioridade é a produção de cana-de-açúcar e estão certos. Só que vejo a iniciativa privada já agindo bem e gerando resultado. Por que não aproveitar as terras não produtivas para dar apoio à produção de matérias que gerem biodiesel e ainda ajudem a recuperar o solo? - sugere Jones.

Segundo dados do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil possui quase 140 milhões de hectares de terras abandonadas, em processo de erosão ou mal utilizadas, o equivalente a duas vezes o tamanho da França.

A Embrapa Agroenergia, braço da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), tem investimentos em mamona, dendê e pinhão manso. Segundo José Manuel Cabral, chefe adjunto do órgão, o dendê tem sido o foco do governo neste sentido, através de um projeto chamado Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma no Brasil.

- Devido à alta produtividade em óleo (quatro a cinco toneladas por hectare ao ano, enquanto a da soja é de 500 a 600kg), há interesse em desenvolver essa palmácea, tanto para a indústria alimentícia, quanto para a produção de biodiesel - revela.

(Felipe Sil / O Globo)

ETANOL DE 2GERAÇÃO

Além do bagaço

Etanol produzido com resíduos da plantação de cana-de-açúcar deve ser realidade industrial em breve, segundo pesquisadora. Palha e bagaço podem ainda dar origem a outras fontes de energia sustentáveis.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 27/06/2012 | Atualizado em 27/06/2012
Além do bagaço
O bagaço e a palha da cana podem ser aproveitados para produzir etanol, lignina e hidrogênio, que são combustíveis sustentáveis. (foto: Gustavo Oliveira/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol, atrás apenas dos Estados Unidos, que produz álcool de milho a um custo mais elevado. Aqui, o caldo da cana-de-açúcar é a principal matéria-prima desse combustível. Mas a perspectiva é que o país comece a usar cada vez mais também a palha e o bagaço da cana para produzir energia.
A previsão é da bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Elba Bon. O etanol de segunda geração (2G), nome dado ao álcool feito com os resíduos da cana, já é produzido em laboratórios e centros de pesquisa e, segundo Bon, tem tudo para ser incorporado pelas indústrias.
O etanol de segunda geração já é produzido em laboratórios e centros de pesquisa e tem tudo para ser incorporado pelas indústrias
A pesquisadora acredita que, dentro de cinco anos, o Brasil já vai estar produzindo o etanol 2G em larga escala e, por volta de 2022, o combustível estará disponível nos postos misturado ao etanol tradicional, de primeira geração. Durante a Rio+20, 40 minivans usadas para o transporte de comitivas foram abastecidas com etanol 2G produzido experimentalmente pela Petrobrás.
O etanol 2G torna a cadeia produtiva do álcool mais sustentável. Com o aproveitamento do bagaço da cana, que normalmente é descartado, e da palha, usada em parte como adubo, é possível dobrar a produção de etanol por hectare de plantação.
Bon estima que um hectare que produz cerca de oito mil litros de etanol de primeira geração pode render até 11 mil litros a mais, se aproveitada a palha para fazer etanol 2G.
Bomba de combustível
Segundo pesquisadora da UFRJ, a previsão é que, daqui a 10 anos, o etanol de segunda geração já esteja disponível nos postos de abastecimento misturado ao etanol tradicional. (foto: Jose Carlos Norte/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
Para a pesquisadora, a possibilidade de se extrair álcool da palha e do bagaço da cana encerra a discussão sobre o impacto dos bicombustíveis na produção de alimentos. “Não faz mais sentido colocar a questão ‘biocombustível versus alimentação’; o etanol pode muito bem ser um subproduto da cana usada para produzir açúcar”, afirma.

Aproveitamento máximo

As vantagens do aproveitamento dos resíduos da cana-de-açúcar não param por aí. Durante os processos de extração do etanol 2G em laboratório, feita por meio de ácidos, hidrólise ou enzimas produzidas por microrganismos, os pesquisadores obtêm como subproduto a lignina, substância três vezes mais energética que o bagaço da cana.
Bon propõe que a lignina seja reintroduzida na cadeia produtiva como combustível para as caldeiras das usinas de etanol. “São processos simples que podem fazer a diferença na produção do etanol, tornando-a mais sustentável”, comenta.
Além de gerar etanol 2G e lignina, o bagaço da cana ainda pode ser usado para produzir hidrogênio de forma limpa
Além de gerar etanol 2G e lignina, o bagaço da cana ainda pode ser usado para produzir hidrogênio de forma limpa. A substância vem sendo apontada por especialistas como alternativa sustentável para produção de energia e já é usada como combustível no ônibus ecológico H2+2, desenvolvido pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/ UFRJ) e apresentado durante a Rio+20.
“Estamos vivendo uma mudança de paradigma no mundo e é fundamental que o Brasil comece a formar recursos humanos preparados para lidar com recursos renováveis, como o etanol de segunda geração e o hidrogênio”, completa Bon.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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