ESTUDO ANALISA 50 ANOS DO SETOR DE PAPEL E CELULOSE NO BRASIL

Por Da Redação - agenusp@usp.br

Caio Albuquerque, da Assessoria de Comunicação da Esalq – email caiora@esalq.usp.br

Deve-se levar em conta que o setor apresenta segmentos distintos

As mudanças presenciadas com a reestruturação do setor de celulose e papel no Brasil, nos últimos 50 anos, influenciaram o desempenho das indústrias do setor, bem como seu mercado de trabalho. “Deve-se considerar que, dentro do setor, há segmentos distintos e suas estruturas e desempenhos não necessariamente tiveram evoluções iguais diante das transformações surgidas com o novo cenário marcado pela concorrência em escala global. Diante disso, é necessário analisar em separado os segmentos que compõem o setor e avaliar como eles se inter-relacionam e se comportam de modos distintos”, afirma a economista Adriana Estela Sanjuan Montebello.

Adriana acaba de defender a tese Configuração, reestruturação e mercado de trabalho no setor de celulose e papel no Brasil na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Orientada pelo professor Carlos José Caetano Bacha, Adriana utilizou dados do Censo Industrial do IBGE, o Relatório Estatístico da Bracelpa, a Pesquisa Industrial Anual do IBGE, a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e o Sistema ALICE-Web do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

De acordo com a pesquisa, o “Plano de Metas”, executado durante o governo Juscelino Kubstichek (1956 a 1961), foi fundamental no desenvolvimento do setor no país, com ênfase ao atendimento do mercado consumidor doméstico, sem ainda considerar as vantagens competitivas existentes no Brasil para implantar fábricas voltadas para a exportação.

Já nas décadas de 1990 e 2000, o setor de celulose e papel sofreu significativa reestruturação industrial com aumento das fusões e aquisições e mudanças na composição societária das empresas, bem como acusou aumento da entrada de investimentos do capital estrangeiro.

Impactos da reestruturação
A pesquisa também observou de que modo o desempenho dessas indústrias foi afetado pelas variáveis de estrutura de mercado e por variáveis de abertura comercial, considerando o período entre 1986 e 2007 e a partir dos parâmetros de margem preço-custo e lucro bruto. Os resultados indicaram que as indústrias do setor de celulose e papel estão mais vulneráveis à entrada e rivalidade de competidores potenciais, principalmente no caso de alguns segmentos que compõem as indústrias de papel e de artefatos de papel, em que aumentos na taxa de importação inibiram o aumento da lucratividade.

A pesquisa analisou a dinâmica do mercado de trabalho do setor de celulose e papel no período de 1996 a 2008. “Diferentemente dos trabalhos encontrados na literatura, este capítulo estimou uma equação de salário usando dados em painel, a fim de verificar quais variáveis afetaram os salários no período entre 1996 e 2007, considerando a indústria de celulose, a indústria de papéis e a indústria de artefatos de papéis separadamente”, explica Adriana.

Os dados apontam que o processo de globalização e reestruturação industrial trouxeram alterações significativas no mercado de trabalho do setor como um todo. Entretanto, tais mudanças e implicações ocorreram de forma diferenciada dentro do setor de celulose e papel. Enquanto o emprego cresceu na indústria de artefatos de papéis (mais voltada ao mercado doméstico e menos intensiva em capital), diminuiu na indústria de celulose (mais voltada ao mercado externo e mais intensiva em capital). “Essa última indústria, juntamente com a de papéis, é de fluxo contínuo, exigindo maior flexibilidade de horário de trabalho, o que a leva a empregar mais trabalhadores masculinos e menos jovens do que a indústria de artefatos de papéis.

O trabalho também avaliou quais variáveis afetaram os salários no período entre 1996 e 2007, considerando a indústria de celulose, a indústria de papéis e a indústria de artefatos de papéis. Constatou-se que 1% de aumento da escolaridade formal implica 2,3% de aumento de salário. O aumento de 1% na proporção de mulheres em relação aos homens reduz em 0,43% os salários. E o aumento de 1% no grau de abertura da economia reduz em 0,32% os salários.

Competitividade
A tese mostrou que, apesar da saída do Estado do setor de celulose e papel, principalmente, a partir da década de 1990, com a abertura da economia, o setor caminha por meio da articulação entre o capital privado e estrangeiro, o que implicou em movimentos de reestruturação societária e produtiva nos últimos anos.

“Apesar disso, é importante destacar que o Estado teve um papel decisivo no desenvolvimento do setor por meio de financiamentos e programas governamentais especiais e ainda continua participando ativamente das indústrias como um dos principais acionistas”, lembra Adriana.

Mais informações: (19) 3447-8613 ou e-mail acom@esalq.usp.br na Assessoria de Comunicação da Esalq

A procuradora e a empregada

A procuradora e a empregada

RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

Era uma noite de segunda-feira. Há um mês, a procuradora do Trabalho Ana Luiza Fabero fechou um ônibus, entrou na contramão numa rua de Ipanema, no Rio de Janeiro, atropelou e imprensou numa árvore a empregada doméstica Lucimar Andrade Ribeiro, de 27 anos. Não socorreu a vítima, não soprou no bafômetro. Apesar da clara embriaguez, não foi indiciada nem multada. Riu para as câmeras. Ilesa, ela está em licença médica. A empregada, com costelas quebradas e dentes afundados, voltou a fazer faxina.

Na hora do atropelamento, Ana Luiza tinha uma garrafa de vinho dentro da bolsa. Em vez de sair do carro, acelerava cada vez mais, imprensando Lucimar. Uma testemunha precisou abrir o carro para que Ana Luiza saísse, trôpega, como mostrou o vídeo de um cinegrafista amador.

Rindo, Ana Luiza disse, para justificar a barbeiragem: “Tenho 10 graus de miopia, não enxergo nada”. E, sem noção, tentou tirar os óculos do rosto de um rapaz. A doutora fez caras e bocas na delegacia do Leblon. Fez ginástica também, curvando e erguendo a coluna. Dali, saiu livre e cambaleante para sua casa, usando um privilégio previsto em lei: um procurador não pode ser indiciado em inquérito policial. Não precisa depor. Não pode ser preso em flagrante delito. Não tem de pagar fiança. A mesma lei exige, porém, de procuradores um “comportamento exemplar” na vida. Se Ana Luiza dirigia bêbada, precisa ser afastada. Se estava sóbria, também, pela falta de decoro.

Foi aberta uma investigação disciplinar e penal contra ela em Brasília, no Ministério Público Federal. Levará cerca de 120 dias. Enquanto seus colegas juízes a julgam, Ana Luiza Fabero está em “férias premiadas” no verão carioca. Ela não respondeu a vários e-mails e a assessoria de imprensa da Procuradoria informou que o procurador-chefe não falaria nada sobre o assunto porque “o processo está em Brasília”.

Lucimar está traumatizada, com medo de se expor, porque a atropeladora tem poder. Não procurou um advogado. Nasceu na Paraíba e acha que nunca vai ganhar uma ação contra uma procuradora do Trabalho. Lucimar recebe R$ 700 por mês, trabalha em casa de família, tem um filho de 6 anos e é casada com Aurélio Ferreira dos Santos, porteiro, de 28 anos. Aurélio me contou como Lucimar vive desde 10 de janeiro, quando foi atropelada na calçada ao sair do trabalho: “Minha mulher anda na rua completamente assustada e traumatizada. Estou tentando ver um psicólogo, porque ela não dorme direito, acorda toda hora com dor. É difícil até para ela comer, porque os dentes entraram, a boca afundou. Estamos pagando tudo do nosso bolso, particular mesmo, porque no hospital público tem muita fila”.

A atropelada, traumatizada, nem procurou advogado. Acha que nunca ganharia uma ação contra a doutora

Lucimar quebrou duas costelas, o joelho ficou bastante machucado, o rosto ficou “todo deformado e inchado”, segundo o marido. Ela tirou uma licença médica de dez dias, mas foi insuficiente. Recomeçou a trabalhar há duas semanas, ainda com muitas dores.

O encontro entre a procuradora e a empregada é uma fábula de nossa sociedade desigual. A história sumiu logo da imprensa. As enchentes de janeiro na serra fluminense fizeram submergir esse caso particular e escabroso. Um mês seria tempo suficiente para Ana Luiza Fabero ao menos telefonar para a moça que atropelou, desculpando-se e oferecendo ajuda. Nada. Além de falta de juízo, ela demonstrou frieza e egoísmo. Vive na certeza da impunidade.

“Somos um país de senhoritos, não carregamos nem mala”, diz o antropólogo Roberto DaMatta, autor do livro Fé em Deus e pé na tábua. DaMatta associa a violência no trânsito brasileiro a nossa desigualdade. Usamos o carro como instrumento de poder e dominação social, um símbolo do “sabe com quem você está falando?”.

“Dirigir um carro é na verdade uma concessão especial, porque a rua é do pedestre”, diz DaMatta. Mas nós desrespeitamos o espaço público. “No caso da procuradora e da empregada, juntamos uma pessoa anônima com uma impunível”, afirma. O Estado é usado para fortalecer o personalismo, a leniência e para isentar as pessoas de responsabilidade física. Em sociedades como a nossa, onde uns poucos têm muitos direitos e a grande massa muitos deveres, Lucimar nem sabe que pode e deve lutar.