Artigo Ruth de Aquino

O preconceito no armário

O preconceito fica guardado nas gavetas das coisas ditas e ouvidas. Até que sai de forma irracional

RUTH DE AQUINO


RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)

Ele está ali no meio das roupas que vestimos a cada dia. Invisível, sem cheiro. É como se fosse uma caspa que só os outros enxergam. O preconceito fica guardado nas gavetas das coisas ditas e ouvidas, em casa, na escola, no trabalho. Escondemos, por vergonha. Ou, o que é pior, nos recusamos a reconhecer que ele existe. Até o momento em que o preconceito sai do armário de forma irracional.

Foi o que aconteceu na USP com um PM, o sargento André Ferreira. O sargento parecia uma pessoa normal, dialogando com universitários que ocupavam um espaço da universidade. Pedia que se retirassem dali. De repente, viu ao fundo um rapaz negro, com cabelo rasta, de tranças longas. O sargento se transformou num ogro. “E você aí, é estudante? Cadê a carteirinha?”, perguntou. O rapaz respondeu: “Sou. Dou a minha palavra”. Mas não mostrou documento.

O sargento se descontrolou: apontou a arma, puxou-o pelos cabelos e pela roupa, empurrou, agrediu e o enxotou. No fim, Nicolas Menezes Barreto tirou a carteira de estudante da USP do bolso. O vídeo (assista no blog Bombou na Web) é de uma brutalidade que atinge qualquer um que tenha noção de direitos humanos. A Polícia Militar afastou o sargento por despreparo e descontrole emocional.

Mas por que o rapaz negro não mostrou logo o documento que o policial branco exigiu? Insolente, não conhece o seu lugar. É o que muita gente boa diz por aí. Entendo a reação do estudante à atitude ofensiva do PM. Foi uma cena de preconceito racial explícito. O sargento não teria agido assim com um branco. Nicolas sabia disso. Deve ter sido a enésima vez em que enfrentou suspeita pela cor da pele.

Por muito menos, já me recusei a mostrar a carteira de jornalista. Cobri como repórter a temporada de Fórmula 1 em 1990. A cada corrida, eu era abordada por fiscais do autódromo nos bastidores. Os fiscais não pediam a credencial de meus colegas homens. No terceiro país em que isso se repetiu, eu estava acompanhada de um amigo sem a credencial adequada. O fiscal exigiu meu documento. Eu disse: “Não vou mostrar. Vá pedir ao Bernie Ecclestone (o homem forte da F-1)”. Era evidente que, só por eu ser mulher, eles desconfiavam que eu fosse uma maria gasolina da vida. Depois de um tempo, irrita. Esse e outros episódios me revelaram que eu trafegava muitas vezes numa pista masculina.

O preconceito fica guardado nas gavetas das coisas ditas e ouvidas. Até que sai de forma irracional

Sou contra cotas sexuais ou raciais. O mérito determina uma promoção. Mas o último Censo do IBGE me surpreendeu. A educação deveria ter reduzido mais a desigualdade entre os sexos. A mulher tem hoje no Brasil dois anos de escolaridade a mais que o homem, mas ganha em média 30% menos que ele. E, quanto mais instruída é a mulher, maior a diferença entre seu salário e o do homem com a mesma escolaridade. Dos brasileiros que ganham acima de 20 salários mínimos, os homens são mais de 80%. Só um punhado de mulheres chega à direção e a cargos executivos. Existe ou não uma discriminação sutil no mundo que manda?

Os gays sofrem mais. O ator Marcelo Serrado não deseja que sua filha de 7 anos veja um beijo gay na novela das 21 horas. Ele faz o caricato Crô, um dos personagens mais populares de Fina estampa. Serrado acha que homossexuais só devem se beijar na televisão depois das 23 horas. Assassinatos, traições, prostituição, porradas do marido na mulher, isso tudo passa no horário nobre. “Detesto a homofobia, mas as barreiras devem ser quebradas aos poucos”, disse Serrado. “Tenho vários amigos gays, um foi jantar na minha casa na sexta-feira passada.”

Homossexuais influentes lastimaram a declaração de Serrado. “Ele tem o direito de educar sua filha como quiser”, diz Alexandre Vidal Porto, diplomata brasileiro, em Tóquio, com 46 anos e relacionamento estável há nove. “O que acho péssimo é o ator, mesmo não querendo que a filha presencie um beijo gay, declarar que não é homofóbico. Parece aquela senhora que diz não ser racista, mas preferiria que a filha não se casasse com um negro. Ou seja, Marcelo Serrado é um homofóbico no armário. Precisa sair dele.” Vidal Porto é casado em Nova York e seu marido, americano, tem passaporte diplomático e seguro de saúde concedidos pelo Itamaraty: “Como sabemos nos defender – ele é advogado por Yale, e eu por Harvard –, é difícil nos discriminar”.

O beijo é uma manifestação de afeto. Se os telejornais mostram casais gays reais se beijando em casamentos coletivos, por que na ficção a cena seria imprópria a crianças e adolescentes?

Em 1978, o deputado Harvey Milk foi morto por defender os homossexuais. Dez anos antes, em 1968, o Nobel da Paz Martin Luther King foi morto por defender os negros. Há quase um século, em 1913, a inglesa Emily Wilding Davison morreu ao defender o voto das mulheres. O mundo mudou, felizmente. Mas não o bastante.

Fonte: Revista Época, 13/01/2012

Dicas redação científica

Apresentamos aqui o guia definitivo (e resumido) para auxiliar na redação de artigos, monografias e demais trabalhos acadêmicos. Leitura obrigatória para pós-graduandos e interessados em geral.

Roteiro escrito por Mark L. Savickas (Northeastern Ohio Universities College of Medicine, Rootstown, Ohio, EUA)

ORIENTAÇÕES GERAIS
- Escreva para não especialistas.
- Escreva clara e concisamente.
- Selecione uma revista apropriada.
- Escreva para uma revista específica, usando outros artigos publicados como modelo.
- Planeje escrever pelo menos cinco rascunhos.
- Peça a um colega para revisar a penúltima versão.

Erros comuns
- O trabalho não reflete o estado da arte na área.
- A contribuição é de pequena importância.
- O trabalho é prematuro e mais trabalho de investigação ainda é necessário.
- O trabalho replica pesquisa anterior.
- O trabalho é parte de um todo (“salame science”).
- O trabalho deveria ser submetido a uma revista menos exigente.

I. INTRODUÇÃO
Finalidade:
- Demonstrar necessidade clara do artigo.
- Mostrar que ele é importante e relevante para a área.
- Prover descrição sucinta de pesquisas anteriores.
- Descrever claramente os objetivos do estudo.
- Explicitar as origens das hipóteses.
- Descrever as hipóteses ou perguntas da pesquisa a serem respondidas.

Estrutura
A. Antecedentes do problema (ou tese).
B. Descrição do problema (ou antítese).
C. Resolução do problema (ou síntese).
1. Finalidades do estudo.
2. Hipóteses ou perguntas da pesquisa.

Erros comuns
- Orientação empírica mais do que teórica.
- Hipóteses descritas em tempo futuro:
- “Possivelmente se relaciona” quando deveria ser “se relaciona possivelmente”.
- Introdução muito longa, incluindo material que poderia ser melhor utilizado na discussão.
- Inclusão de material estranho ou tangencial.
- Detalhes excessivos na descrição de estudos prévios.
- “Reinvenção da roda”, especialmente na primeira sentença ou parágrafo.
- Omissão de estudos diretamente relevantes.
- Inclusão dos resumos dos resultados.
- Terminologia confusa.
- Primeira sentença “O objetivo deste estudo é…” (muito primário).
- Citações incorretas.

II. MÉTODOS
Finalidade
- Possibilitar ao leitor avaliar o delineamento da pesquisa.
- Descrever os materiais e os sujeitos (especialmente a seleção).
- Descrever o tamanho da amostra e como foi determinada.
- Definir operacionalmente as variáveis das hipóteses.
- Definir procedimentos
- prover testes de hipóteses adequados.
- Definir análises estatísticas (considerar proporção de erros para análises múltiplas).
- Informar sobre questões éticas; consentimento.
- Selecionar métodos adequados a fim de permitir a duplicação do trabalho por outros.

Estrutura
A. Medição das variáveis
1. Explicitar os princípios para a seleção das medidas.
2. A medição das variáveis deriva das hipóteses?
- descrição dos instrumentos ou equipamentos,
- dados empíricos dos instrumentos: válidos e confiáveis,
- conveniência para os participantes,
- adequação da tradução,
- se o instrumento é exclusivo para o estudo, relatar evidências que o sustente.
B. Participantes
1. Seleção apropriada e representativa para os propósitos do estudo.
2. Seleção: como, onde os sujeitos foram selecionados &– randomicamente, seleção intencional, grupos inteiros, etc.? Qual é o número da amostra?
3. Características: variáveis demográficas (idade, grau de instrução, raça, sexo, residência rural ou urbana, etc.); dados psicométricos (inteligência, etc.).
4. Comparação com os grupos de referências: normas, razões ou proporções básicas.
5. Explicitação de qualquer comportamento tendencioso dos participantes (voluntários, não-respondentes).
C. Coleta de dados
1. Explicar como o consentimento foi obtido e os participantes selecionados
2. Descrever em detalhes como os dados foram obtidos (explicar a administração de testes).
3. Indicar como os dados foram comparados para a análise (se relevante).
4. Explicar como os participantes foram interrogados.
D. Delineamento e Análises
1. Descrever ou mostrar graficamente o delineamento do estudo.
2. Apresentar os princípios das análises estatísticas conduzidas.

Erros Comuns
- Na interpretação dos resultados; não aceitar e nem rejeitar hipóteses.
- Informação inadequada para avaliação ou replicação.
- Descrições detalhadas de métodos padronizados e publicados.
- Falha na explicação de análises estatísticas não usuais.
- Participantes heterogêneos demais.
- Falha para explicar o escore dos instrumentos.
- Medidas não validadas; confiabilidade fraca ou desconhecida.

III. RESULTADOS
Finalidade
- Prover descrições claras e organizadas de todos os achados: significativos e não-significativos, positivos e negativos.
- Responder a todas as questões da pesquisa formuladas.
- Ilustrar dados complexos com tabelas e figuras.
- Tabelas: quando valores numéricos específicos são importantes.
- Figuras: quando comparações de valores múltiplos são importantes.

Estrutura
A. Assunções estatísticas.
B. Diferenças de gênero, raciais e étnicas.
C. Estatísticas descritivas (médias, desvio padrão e correlações)
D. Estatísticas inferenciais:
- O Tamanho da amostra é adequado?
- Relatar teste de significância.
- Relatar significância e o impacto dos achados.
- Considerar restrição da cobertura em estudos de correlação.
E. Análises adicionais (usualmente post hoc).

Erros Comuns
- Tabelas e Figuras complexas, incompreensíveis.
- Repetição dos dados no texto, nas tabelas e nas figuras.
- Falha no seguimento do mesmo formato da introdução e do método.
- Falha no provimento dos dados prometidos no método.
- Análise estatística inadequada ou inapropriada
- Inclusão de material mais apropriado para as legendas de figuras e tabelas.
- Confiança nas figuras ou tabelas para prover conclusões.

IV. DISCUSSÃO
Finalidade
- Apresentar e interpretar conclusões.
- Enfatizar achados importantes.
- Comparar e contrastar com trabalhos anteriores relacionados.

Estrutura
A. Conclusões: relacionar resultados com as hipóteses.
B. Interpretações: esperadas versus alternativas.
C. Implicações:
1. teóricas
2. para a pesquisa
3. para a prática
D. Limitações do estudo: aproximação com o estudo ideal.
- Confiança estimada das conclusões.
- Explicitação de possíveis restrições para as conclusões.
- Identificação de procedimentos metodológicos pertinentes aos achados.
E. Recomendações para pesquisas futuras.

Erros Comuns
- Repetição da introdução.
- Repetição dos resultados.
- Discussão não baseada nos propósitos do estudo.
- Falha no esclarecimento das implicações teóricas e práticas dos achados.
- Discussão não baseada nos resultados.
- Hipóteses não discutidas explicitamente.
- Tendência não-significativa de promover os achados.
- Apresentação de novos dados.
- Repetição da revisão da literatura.
- Especulações não fundamentadas.
- Recomendações não baseadas nos resultados.
- Sumário provido quando o resumo já foi apresentado.
- Declarações inaceitáveis, não convincentes ou não fundamentadas.

RESUMO
Finalidade
- Prover um breve resumo dos: propósitos, hipóteses ou problemas, delineamento da pesquisa, principais observações, e conclusões.

Erros Comuns
- O resumo conter uma introdução que é parte da introdução.
- Resumo longo e detalhado demais; dados e análises excessivos.

REFERÊNCIAS
Finalidade
- Prover apoio a declarações que o requeiram.
- Possibilitar a avaliação dos métodos e das análises estatísticas.
- Prover ao leitor referências mais pertinentes sobre o mesmo tópico.

Problemas Comuns
- Muitas, e especialmente múltiplas referências para apoiar afirmações únicas e simples.
- Uso de referências secundárias.
- Referências desatualizadas.
- Referências a procedimentos padronizados.
- Erros nos nomes dos autores.
- Observações, comunicações pessoais e palestras não publicadas.
- Referências a trabalhos submetidos à publicação.
- Fontes não confiáveis.
- Linguagens diferentes.

TÍTULO
- Finalidade
- Permitir ao leitor julgar os conteúdos e a natureza geral do artigo.
- Incluir palavras-chave objetivando a indexação.

Erros Comuns
- Longo demais (assemelha-se a um “breve resumo”).
- Esperto, cômico e “engraçadinho”.
- Questão retórica.
- Sentença completa.

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Fonte: Como redigir um relatório de pesquisa: finalidades e problemas em artigos científicos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 10, n. 1, p. 7-10, 2009
Fonte: site www.posgraduando.com

Artigo no site Administradores

Quem tem interesse no tema Responsabilidade Social Corporativa e Globalização pode conhecer o artigo no seguinte endereço: http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/responsabilidade-social-corporativa-e-a-globalizacao/60877/