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Henrique Szapiro, vice-presidente de RH e assuntos corporativos do Citi
Henrique Szapiro, vice-presidente de RH e assuntos corporativos do Citi

O novo papel do RH



Ser estratégico hoje é saber influenciar quem toma decisão na busca por melhores resultados

Primeiro, eram os processos e um departamento pessoal eficiente era aquele que entregava os resultados exclusivamente de sua área (aumentos, promoções, demissões, treinamentos). Depois, veio a necessidade de entender de números para ajudar a companhia a buscar mais resultados. E o RH virou “estratégico”. Agora, a missão ficou mais complexa e fiel ao conceito. Estratégico hoje é vislumbrar o futuro da organização e, então, combinar conhecimentos sobre as pessoas e o negócio. E ainda: ser capaz de influenciar quem tem poder de decisão — o presidente ou o conselho da companhia.

O RH eficiente, nas palavras de Luiz Carlos Cabrera, da PMC Amrop, um dos mais respeitados headhunters do mercado brasileiro, funciona como um verdadeiro co-piloto do presidente. “É aquele capaz de prever os buracos, as curvas, as possíveis derrapadas e antecipar saídas, apontar atalhos, ajudar a ganhar velocidade e a economizar combustível”, diz Cabrera. “Ou seja, é o profissional capaz de manter sua empresa na melhor rota para seus negócios.” João Dornellas, da Nestlé, Felipe Westin, do Bristol-Myers Squibb, Paula Traldi, da Novartis, Henrique Szapiro, do Citi, Gilberto Lara, da Votorantim, e Márcia Costa, da Alpargatas, estão neste time.

Esses seis executivos de recursos humanos foram os mais citados por dez consultores brasileiros de grandes empresas de headhunting em um levantamento para descobrir quem são, na visão do mercado, os RHs que têm influência nos negócios — portanto, aqueles que dão as orientações certas para que a empresa caminhe na melhor direção. Os seis fazem parte de negócios globais, são os guardiões dos valores de suas companhias, gigantes em faturamento, e cabe a eles a responsabilidade de encontrar soluções para lidar com o maior desafio do mundo corporativo hoje e nas próximas décadas: atrair e reter talentos.

O americano Dave Ulrich, professor de negócios da Universidade de Michigan (EUA) e um dos maiores especialistas do mundo em RH, chama essa competência (uma das seis que ele lista para o novo executivo da área) de “arquitetura da estratégia”. Para Ulrich, novo RH precisa ter a visão de como a empresa irá vencer no futuro e trabalhar com as lideranças no desenho de uma estratégia para chegar lá. Isso significa reconhecer as tendências de mercado e seus impactos no negócio, prever os potenciais obstáculos para o futuro e facilitar os processos para deixar a estratégia mais clara.

Foi com a missão de trabalhar na evolução da cultura da Novartis que a psicóloga paulista Paula Traldi, de 38 anos, foi recrutada em agosto de 2006 como diretora de recursos humanos. “Meu desafio é garantir a vitória para o futuro evoluindo uma cultura que já é vencedora”, diz Paula. Para isso, ela mantém o foco em três fatores cruciais para o negócio: pessoas, clientes e processos. Todo funcionário da Novartis, pelo menos uma vez por ano, tem contato com um cliente, seja ele médico, paciente ou até mesmo o governo. No pilar gente, Paula lembra da distribuição de aparelhos de MP3 feita pela empresa para treinar seus representantes — uma forma de levar a capacitação da matriz aos funcionários que ficam longe da sede. A primeira experiência, feita com 350 promotores de vendas que visitam cardiologistas, já foi avaliada. Em 2006, a Novartis registrou um aumento de 5% de receitas superior à meta estabelecida após o treinamento, que agora é aplicado a outros representantes.

Para colocar essas idéias em prática, ela conta com uma equipe de 70 pessoas. Não é só a diretora que se “infiltra” nas outras áreas para conhecer melhor suas equipes e processos. Seu pessoal está treinado e incumbido da missão de também identificar necessidades futuras. No caso do trabalho da força de vendas, foi preciso entender as demandas da área comercial, conversar com as lideranças e aí pensar em um modelo específico para contribuir com o negócio, trazendo maiores resultados para a companhia. “É fundamental para o RH ter habilidade de negociação interna”, diz Paula. “Saímos do papel de coitadinho, do paternalista, em que a opinião não importava muito, para o de influenciador de lideranças.”

É exatamente isso que o mercado espera do profissional de RH atualmente. “O papel do RH é vislumbrar lá atrás o que a empresa vai precisar lá na frente”, diz Rodolfo Eschenbach, responsável pela área de human performance da consultoria Accenture. “É o que chamamos de líder de transformação.” É assim também que o engenheiro paulista Gilberto Lara, de 58 anos, diretor de desenvolvimento humano e organizacional da Votorantim, resume a sua função hoje. Após trabalhar 29 anos na indústria química Rhodia, passando por vários negócios, até ser o responsável pela diretoria de RH mundial da multinacional francesa, ele foi para a Votorantim ajudar na internacionalização da empresa brasileira.

Lara está na Votorantim há quatro anos. Quando ele e sua equipe resolveram integrar as políticas de recursos humanos da gigante nacional em 2001 (são oito unidades de negócio, presente em 250 municípios, 12 países e dona de um faturamento líquido de 29 bilhões de reais), Lara passou realmente a influenciar os negócios. Ele acredita que o grupo unificado tenha um poder maior de atração e retenção de profissionais e, além disso, estimula a construção de lideranças. E identifica mais um papel para a sua área: ler a organização. Assim como o executivo de marketing precisa ler mercado, o RH deve ler a empresa e identificar suas necessidades. “Claro, não basta ter boas idéias e ficar quieto. Tem que falar e ser ouvido. Por isso, é fundamental ter influência.”

Joel Dutra, coordenador do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Administração (FIA) e um dos coordenadores do Guia VOCÊ S/A-EXAME – As Melhores Empresas para Você Trabalhar, lembra que o executivo de RH ainda precisa ter legitimidade, caso contrário, vai perder espaço. “Se a organização percebe que não tem essa pessoa, vai pegar alguém de outra área que tenha legitimidade e trânsito político lá dentro”, diz Dutra.

Não é à toa que aumenta o número de executivos que saem de outras áreas para assumir o RH. Com bom histórico de resultados — e a tal legitimidade interna — qualquer profissional pode ganhar esse espaço. O mais importante é ter a confiança do presidente. “A função do RH se define na cabeça do presidente”, diz Denys Monteiro, sócio-diretor da Fesa Global Recruiters, consultoria de recrutamento de executivos, com escritório em São Paulo. “Se o presidente acredita que o RH tem poder de conduzir realmente a empresa, o executivo que assumir o departamento terá espaço. Do contrário, ele fará apenas o dia-a-dia, não terá influência.”

Essa parceria ocorre na Nestlé. Foi pela visão de negócios de seu presidente, Ivan Zurita, que o administrador de empresas mineiro, João Dornellas, de 42 anos, deixou uma carreira de quase 20 anos na área industrial para assumir a diretoria de RH em março de 2003. Dornellas gerenciou quatro fábricas da Nestlé — uma no Rio de Janeiro, uma no México e outras duas no interior de São Paulo, em Porto Ferreira e Araras, a maior da empresa, com 1 500 funcionários. Nas três, ele obteve bons resultados e não passou despercebido a Zurita, que soube conduzir os processos trabalhando junto com as pessoas.

O convite para o executivo assumir o RH fazia todo sentido para a estratégia da Nestlé de ter cada vez mais um RH alinhado ao negócio. Seu antecessor havia assumido um novo posto na empresa e a vaga estava aberta. Para Dornellas, o RH deve assumir essa missão porque, ao conhecer as estratégias futuras da empresa, começa a trabalhar já com desenvolvimento de competências dos profissionais, que serão necessárias para o sucesso do negócio. E para isso é preciso estar muito alinhado com o presidente. “Essa parceria RH e presidente passa exageradamente por confiança”, afirma o diretor. “O CEO não tem tempo de ficar perguntando para que lado estamos indo. Ele tem de ter certeza que estamos indo para o futuro certo.”

Dornellas também está longe de ter uma visão romântica do RH. Ele sabe que foi convidado para liderar o setor porque tinha uma larga experiência na área industrial, ali na ponta do negócio, trabalhando com gente e com números. Assim como sabe que o RH deve influenciar o negócio com o objetivo de alcançar o sucesso da empresa. Claro, isso passa por pessoas felizes, desenvolvidas e produtivas. E disso a Nestlé entende. Seu turnover voluntário não passa de 2,5% ao ano. “Se cada profissional não der o seu melhor, vamos ficar para trás em inovação e eficiência”, acredita. “Precisamos preparar as pessoas para atuar com suas melhores competências em suas áreas.”

Dornellas aponta um fator crítico na área de RH. Nos últimos dez anos, especialmente, os executivos da área foram pressionados para entender do negócio, ser mais atuantes na estratégia e trazer resultados concretos para a empresa. No meio disso tudo, esqueceu-se um ponto importante: as pessoas. Como afirma Dave Ulrich, o RH que enfatiza apenas o lado das pessoas e se esquiva do lado do negócio pode ser bastante popular e agradável, mas não terá sucesso em sua carreira. Por outro lado, o RH que foca apenas no econômico e se mostra insensível ao elemento humano, tampouco terá sucesso, porque, enquanto os negócios prosperam no curto prazo, as pessoas não irão manter os resultados no longo prazo.

O economista Felipe Westin, de 53 anos, diretor de recursos humanos do laboratório Bristol-Myers Squibb, sempre buscou esse equilíbrio. Para ele, o mantra do RH deve ser recrutar boas pessoas e segurá-las na empresa. A falta de talentos é o que causará impacto no negócio. Para entender melhor de pessoas e de negócios, Westin, ao longo de uma carreira de 34 anos na área, preferiu trabalhar em empresas americanas (ele teve apenas uma passagem expressa de quatro meses pela brasileira Braskem, há dois anos). “Acredito que conhecendo a cultura do capital fica mais fácil fazer a gestão de pessoas”, diz.

Para ele, é fundamenta fazer a leitura do cenário e, posteriormente, disseminar a cultura entre as lideranças, fazendo com que os times se desenvolvam seguindo os valores da empresa e buscando os resultados propostos. “Já ajudei muitos líderes a se tornarem melhores gestores de pessoas e muitos profissionais a compreenderem o funcionamento da organização”, diz Westin. “Tanto o objetivo quanto o resultado desse trabalho é sempre o sucesso da empresa.” Esse, para ele, é o jeito clássico de influenciar o negócio — unicamente por meio de gente.

Conhecido tradicionalmente como uma instituição que desenvolve pessoas, o Citi, segundo maior banco do mundo, também busca cumprir suas metas e atingir seus resultados seguindo esse equilíbrio clássico. Seu principal executivo de recursos humanos, o engenheiro eletrônico carioca Henrique Szapiro, de 52 anos, sempre trabalhou em instituições financeiras e viveu — já como RH — uma série de fusões. “A primeira fusão a gente nunca esquece”, brinca Szapiro, referindo-se à fusão do Chemical com o Manufactures Hannover, em 1990.

As fusões foram um marco na carreira dele. Antes de se tornar executivo de RH do banco Norchen (posteriormente comprado pelo JP Morgan), Szapiro foi trainee do próprio Citi e lá ficou por seis anos na área financeira. Com cabeça de engenheiro e números no currículo, as fusões vieram para mostrar que pessoas têm um impacto fundamental nos negócios. “Fiz um curso na Fundação Getulio Vargas para entender mais de RH no começo de 1990”, diz. “Achava aquela conversa de pessoas que impactavam no negócio meio absurda até começar a acontecer comigo.”

Hoje, ele resume seu negócio a pessoas e computadores, responsáveis por toda a memória da empresa. “O RH tem de perceber as situações que estão emergindo e atuar com as pessoas que têm disposição para mover o negócio”, diz. “Fazemos isso passando os valores da organização para baixo. Nossos funcionários precisam entender que tudo tem impacto no cliente.” O Citi investiu mais de 8 milhões de reais em treinamento em 2006 para que seus novos 4 000 funcionários fi cassem a par da sua cultura, focada no impacto que suas ações trazem para o cliente (veja na pág. 46 o estudo do caso do Citi sobre esse treinamento).

Para a pernambucana Márcia Costa, de 44 anos, diretora de recursos humanos da Alpargatas, só é possível ter práticas de RH consistentes e sustentáveis se o líder da área se preocupar diariamente com as pessoas, sem ter receio de ser paternalista. “O RH é ainda tão cobrado por se mostrar presente nos resultados que anda esquecendo o sujeito desse resultado: um ser humano que tem limitações e emoções”, diz. “É preciso entender que só vamos entregar resultados se soubermos por que certas ações não dão certo. A resposta está nas pessoas.”

Somente ao ter a resposta para suas inquietações, Márcia parte para articular alianças e influenciar as lideranças da Alpargatas. “Sem parcerias o RH não anda”, diz. “Não me cabe ocupar o lugar do líder nem decidir por ele. Meu papel deve ser de um disseminador da cultura e um facilitador desse processo.” Márcia, Paula, Dornellas, Westin, Lara e Szapiro sabem que o RH que dá resultado ainda usa uma boa conversa como sua melhor competência.

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