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Está ruim... e pode piorar

A Usiminas enfrenta um dramático problema de motivação de seus funcionários - situação que se torna ainda mais difícil de ser resolvida com o impacto da crise econômica sobre o setor de aço
Leonardo Horta/Divulgação
Funcionários trabalham na limpeza de um alto-forno: paternalismo, falta de motivação e desconfiança
Por Malu Gaspar | 02.04.2009 | 18h23

Revista EXAME -

Um dos primeiros documentos que a nova diretora de recursos humanos da Usiminas, Denise Brum, recebeu ao assumir o cargo, em agosto, a deixou perplexa. O relatório, produzido por agentes de vigilância da empresa, continha os mais variados detalhes da vida de funcionários, de casamentos desfeitos a problemas no dia-a-dia da fábrica, passando por assuntos discutidos nas rodas regadas a cerveja nos bares após o expediente e fofocas em geral. Em pouco tempo, Denise descobriu que os tais relatórios - diários - eram uma prática antiga na Usiminas, marca registrada de uma cultura corporativa que ela tinha a missão de sepultar. "Chamei o pessoal e avisei que não queria mais aquele tipo de informação. Eu preciso disso para quê?", diz Denise. Mas, se abolir os relatórios da arapongagem interna foi fácil e rápido, a cada dia fica mais claro que mudar a cultura interna da Usiminas - marcada por paternalismo, desconfiança entre os funcionários e falta de motivação - será bem mais difícil. O principal motivo é a crise econômica global, que atingiu em cheio o mercado de aço. A Usiminas é a maior produtora de aços planos do Brasil e 23% da produção é direcionada para a indústria automobilística - um dos setores mais sensíveis à retração no crédito e no consumo. Desde que a crise eclodiu, em setembro, a missão do presidente da empresa, Marco Antônio Castello Branco, passou a ser administrar a contração da demanda, cortando metade da produção e demitindo funcionários. Ao mesmo tempo que demite e reduz a operação, ele precisa incutir motivação, dinamismo e espírito inovador em quase 30 000 funcionários. "Eu me sinto como o equilibrista de circo que tem de manter vários pratos rodando ao mesmo tempo", diz Castello Branco, de 48 anos, 24 passados na fabricante de tubos franco- alemã Vallourec & Mannesmann.

COM AS INFORMAÇÕES COLETADAS, revelou-se que a empresa tem um corpo de funcionários envelhecido (a idade média é 46 anos, quando o ideal seria 36), insatisfeito (apenas 32% consideram justos os critérios de avaliação de desempenho), impregnado pelo nepotismo (há três parentes para cada funcionário) e acuado pelo autoritarismo (55% não veem espaço para discordar de uma ordem do chefe imediato). Segundo os funcionários, na Usiminas faltam meritocracia, motivação, incentivo à inovação e troca de conhecimento (veja quadro ao lado), componentes essenciais para uma empresa que precisa promover uma virada estratégica de grandes proporções. Os resultados não são exatamente uma surpresa para Castello Branco. O que não estava no script eram as dificuldades que o novo time está encontrando. Um exemplo é a condução do processo de demissões. Até agora, 900 pessoas foram dispensadas, na primeira demissão em massa da história da Usiminas. Desde o início da crise, com cancelamento de encomendas e redução drástica nas exportações, a proporção da mão-de-obra nos custos subiu de 10% para 15%. A meta é voltar a 10%. Em janeiro, os gerentes foram orientados a dar prioridade, nas demissões, a aposentados que continuavam a trabalhar. Mas apenas 9% dos aposentados foram dispensados até fevereiro. "Há gestores que simplesmente não conseguem demitir. Alguns não entendem o porquê das demissões", diz Denise Brum, a diretora de RH.

O esforço para transformar a Usiminas é tal que, no momento, há nove consultorias trabalhando na empresa. Uma elabora um novo plano de salários e remuneração variável. Outra mapeia os talentos capazes de ser alocados em novas funções. Uma terceira se encarrega de ensinar o corpo gerencial a fazer mudanças no estilo de gestão. O investimento na remodelação da companhia é estimado em 25 milhões de reais, em dois anos. Os próprios consultores que atuam na empresa acreditam que a transformação vá levar mais tempo. "Não se faz uma mudança como essa em menos de quatro ou cinco anos", diz Betânia Tanure, professora da Fundação Dom Cabral, uma das envolvidas no processo. Para ela, a crise pode acabar ajudando no processo. "Pode ser uma boa oportunidade de aglutinar a companhia contra uma ameaça externa."

A REPERCUSSÃO DAS PRIMEIRAS iniciativas ainda é controversa. A diretoria acaba de registrar a primeira baixa, com a saída do vice-presidente de finanças, Paulo Penido, que foi um dos candidatos à sucessão de Soares. Penido foi um dos quatro vice-presidentes nomeados após a redução do número de executivos ligados ao presidente, de 18 para 11. Ao mesmo tempo, foi bem-vista a criação de um portal na internet para melhorar o nível de informações para conselheiros e acionistas, e o programa de sugestões sobre corte de custos teve 12 000 contribuições de funcionários. Na usina de Ipatinga, no interior de Minas Gerais, onde está a maior parte da operação, estão em curso dinâmicas de grupo com os operários sobre a mudança na cultura da empresa. É lá em Ipatinga que há mais resistência ao novo presidente. O sindicato dos metalúrgicos local avalia, pela primeira vez, a possibilidade de fazer uma greve. "A nova direção está assassinando nossos valores e impondo as coisas sem conversar", diz o presidente da entidade, Luiz Miranda. O ex-presidente da Usiminas Rinaldo Soares continua mantendo ligação estreita com os funcionários - ele ainda participa do conselho da empresa, como representante da caixa de previdência dos empregados. Procurado por EXAME, Soares não quis se pronunciar sobre o assunto.

Mesmo com as dificuldades iniciais, Castello Branco conta com o apoio dos acionistas da Usiminas. Trata-se de um grupo dividido em facções com interesses completamente diferentes, como os japoneses da Nippon Steel (que querem aumentar a participação em siderúrgicas no Ocidente), os grupos Votorantim e Camargo Corrêa (que têm outros negócios e vivem seus problemas internos) e os funcionários da própria Usiminas. Se, ao assumir, o executivo planejava marcar sua gestão com aquisições e investimentos para ampliar a produção, hoje o cenário é radicalmente diverso. A prioridade agora é cortar pelo menos 1,2 bilhão de reais em custos - e preparar-se para crescer quando a crise passar. "Neste momento, não há muito a fazer a não ser seguir esse receituário- padrão, cortando custos e melhorando eficiência", diz o analista de siderurgia do banco Brascan Rodrigo Ferraz. Executivo experimentado no setor, Castello Branco conhece a fórmula e sabe que o sucesso de sua trajetória na Usiminas depende de atravessar a tormenta sem criar problemas com os acionistas. Enquanto eles estiverem de bem, a revolução interna poderá seguir adiante, mesmo que isso aumente o azedume de parcela dos funcionários.


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