O metrô e sua gente diferenciada

Ruth de Aquino
Época
RUTH DE AQUINO
é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br

Não quero metrô perto de casa porque... bem, porque não preciso. Tenho carro e motorista. A minha família tem vários carros. Com o metrô ao lado, o bairro se degrada, se adensa. Somos mais abordados por pessoas flutuantes. Vem uma gente diferenciada de outros lugares. Vem drogado, mendigo, camelô. E com isso mais roubo, mais violência. Quem pensa e fala assim é uma minoria não esclarecida e barulhenta da zelite do Sudeste. Haja preconceito, egoísmo e ignorância.

O vocabulário e os argumentos são tão toscos e tortuosos que o movimento contra o metrô em áreas chiques de São Paulo e do Rio de Janeiro virou motivo de chacota na internet. Um churrascão com farofa, cachaça e som portátil foi convocado para este fim de semana em frente ao Shopping Higienópolis, bairro paulistano elegante de 55 mil moradores. É um protesto popular contra a cegueira de alguns.

O estopim foi o plano de mudar a estação prevista na esquina da Rua Sergipe com a Avenida Angélica, a principal do bairro. Em agosto do ano passado, a psicóloga Guiomar Ferreira, de 55 anos, há 25 em Higienópolis, comprava vinho quando resolveu abrir a boca: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada...”

O que poderia ser uma opinião isolada virou um abaixo-assinado de 3.500 moradores. Eles não precisam de metrô. Mas reclamam do trânsito caótico e precisam muito de pobres. Cozinheira, passadeira, faxineira, motorista e jardineiro chegam às casas dos patrões em transporte público. E penam em ônibus lotados, precários e caros.

Dona Guiomar não representa todos os ricos do bairro. Mas ela e seus colegas da Associação Defenda Higienópolis fizeram tanta pressão que, inicialmente, conseguiram mudar o metrô para o Pacaembu, onde ele atenderia menos passageiros. Não se sustenta a alegação oficial de “critérios técnicos” para a mudança. É tão óbvio que o poder público cedeu ao lobby de moradores influentes que já se estuda um terceiro lugar para a estação da discórdia. O mais grave de tudo é o governo colocar o interesse de uma minoria acima do bem coletivo.

Quem associa metrô à invasão dos bárbaros não tem direito de exigir bons serviços públicos

Que tipo de cidade se deseja? Partida ou integrada? Com ou sem engarrafamentos monstruosos? Que tipo de transporte queremos? O elitista, obsoleto e poluidor “um carro para uma pessoa” ou um transporte digno de massas? “Massa” inclui o operário, a empregada, o professor, o estudante, a madame, o profissional liberal, o empresário. É assim no Primeiro Mundo. Turistas brasileiros elogiam as redes de metrô na Europa e nos Estados Unidos. Preferem hospedar-se perto de uma estação, por conforto. O que os torna tão cegos quando voltam ao patropi?

Não é só em São Paulo que alguns tentam se fechar em seu gueto, como se adiantasse. Acontece também no Rio, onde ricos convivem com favelas. Moradores do Quadrilátero do Charme em Ipanema, que reúne as maiores grifes da cidade, são contra a futura estação de metrô na Praça N. Sa. da Paz. Um abaixo-assinado diz que a primeira estação do bairro, na Praça General Osório, “trouxe um adensamento insuportável, e o morador perdeu o direito a sua praia no fim de semana”.

“Não podemos deixar que o nosso bairro vire um despejadouro de gente que vai usá-lo e deixar o bagaço”, continua o abaixo-assinado. “Não somos contra o metrô, mas Ipanema é um bairro pequeno, onde as pessoas fazem tudo a pé.” As pessoas quem, cara pálida? Essa última declaração não é só provinciana, é uma tolice mesmo. Então ninguém sai de Ipanema? Se alguém quer ir ao centro da cidade, faz o quê? Pega o carro importado com vidros pretos na garagem e enfrenta o trânsito, xinga o seu próximo, estaciona em fila dupla e deixa a chave com o flanelinha ilegal.

É natural que a população queira ordem, segurança e limpeza. Mas muitas vezes é a classe alta que promove as badernas. Quem associa metrô à invasão dos bárbaros não tem a menor noção do que significa viver em comunidade nem tem o direito de exigir serviços públicos de qualidade. É uma gente diferenciada.

Como orientar a geração Y

Como orientar a geração Y
Jeanne C. Meister e Karie Willyerd

Dar o feedback que a nova geração tanto quer é mais fácil do que se imagina.

A composição da força de trabalho mundial vive uma mudança sísmica: em quatro anos, a geração Y — nascidos entre 1977 e 1997 — vai representar quase metade dos trabalhadores do mundo. Em certas empresas, já é a maioria.
A mudança pode parecer assustadora para os executivos encarregados de treinar esses jovens trabalhadores, que supostamente seriam loucos por atenção. Mas, ao estudarmos expectativas e necessidades características de trabalhadores de quatro gerações distintas, ganhamos uma visão mais matizada da geração Y e descobrimos diversas maneiras de orientá-la sem consumir muitos recursos.
Fizemos uma pesquisa com 2.200 profissionais de uma ampla gama de setores. Queríamos saber mais sobre seus valores, seu comportamento no trabalho e o que esperavam da empresa. Vimos que a geração do milênio exigia, sim, um fluxo constante de feedback, e que tinha pressa para crescer. Mas não tinha expectativas tão exageradas quanto muitos supõem. É uma boa notícia para empresas que se perguntam quem, exatamente, irá preparar essa nova turma. A geração do pós-guerra está se aposentando e a geração X pode não ser grande o suficiente para assumir sozinha a responsabilidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Y (com 88 milhões de pessoas) é muito maior do que a X (50 milhões apenas).
Para a geração do milênio, o trabalho é parte fundamental da vida, não uma atividade separada que deva ser “conciliada” com ela. É por isso que dá alta ênfase à busca de um trabalho gratificante do ponto de vista pessoal. Esse jovem quer que o trabalho traga a oportunidade de fazer amizades, aprender coisas novas e se vincular a um propósito maior. Esse senso de propósito é um fator crucial da satisfação no trabalho; segundo nossa pesquisa, essa geração é mais socialmente consciente desde a década de 1960.
“Ah, eles querem se realizar plenamente?”, deve estar se perguntando muito gerente. “Só isso, ou algo mais?” A geração do milênio tem, sim, grandes expectativas em relação aos patrões, mas também adota critérios elevados para si mesma. Desde criança, praticamente, vem trabalhando no currículo, pois sua geração é grande demais para o número (relativamente baixo) de vagas nas melhores escolas e empresas. São jovens habituados a se destacar academicamente e a se comprometer fortemente com o serviço à comunidade. Se a empresa conseguir mantê-los motivados, terão prazer em produzir resultados.
Só que essa geração quer um mapa para o sucesso, e espera que a empresa o forneça. Se não tiver cuidado, prepará-los para papéis de liderança pode esgotar a energia de seus gestores. Para ajudá-lo, identificamos três tipos de orientação, ou mentoring, que vão preparar a nova geração para o sucesso sem exigir que o pessoal experiente gaste todo seu tempo nessa tarefa. Embora também funcionem com profissionais de outras gerações, são abordagens particularmente eficazes com a geração do milênio, pois combinam com a mobilidade e o caráter colaborativo de seu estilo de vida e a necessidade de imediatismo dessa geração.

Mentoring reverso
Essa abordagem transfere a responsabilidade pela organização do mentoring aos funcionários do escalão inferior, que aprendem dando orientação a altos executivos. Um jovem da geração Y recebe, por exemplo, a missão de ensinar um executivo a usar redes sociais para se conectar com clientes. É uma maneira eficaz de abrir, para o trabalhador mais jovem, uma janela para os altos escalões da organização. Assim, quando a geração mais velha se aposentar, o jovem já terá uma melhor compreensão do negócio.

Na Burson-Marsteller, escritório de relações públicas e comunicação com filiais em 85 países, um programa-piloto de mentoring reverso está transpondo o fosso entre distintas experiências. A firma deu treinamento tanto para mentores da geração Y como para seus discípulos mais velhos — estabelecendo regras básicas em torno da confidencialidade. “É difícil não resvalar para nossos papéis tradicionais”, diz Michele Chase, diretora-gerente mundial de recursos humanos. “Mas desse esquema estão surgindo relações. Os mentores estão tendo acesso a gente mais experiente e circulando pelos bastidores, por assim dizer, para ver como os líderes pensam e dar sua opinião.”
Há, inevitavelmente, momentos em que o pessoal mais velho (os orientados) emite sua opinião ou dá conselhos aos jovens mentores, de modo que o coaching acaba sendo recíproco. Para o trabalhador mais jovem, o benefício adicional é uma ascensão profissional potencialmente acelerada, pois o esquema de mentoring aumenta sua visibilidade entre altos executivos da empresa. Já os executivos têm a oportunidade de passar a entender um segmento de sua força de trabalho com a qual talvez nem tivessem contato.
Mentoring em grupo
Embora exija menos recursos, a orientação em grupo é um jeito eficaz de dar à geração Y o feedback que tanto deseja. Pode ser conduzida por um gerente mais graduado ou seguir o modelo peer-to-peer. Nos dois casos, a empresa cria uma plataforma tecnológica que permita ao indivíduo definir o mentoring em seus próprios termos.
Na AT&T, o mentoring ocorre em grupos temáticos auto-organizados, ali chamados de círculos de liderança. A abordagem de auto-organização permite que atinjam muito mais gente do que programas tocados pelo RH. Usando uma plataforma online, um mentor pode trabalhar com vários orientandos ao mesmo tempo — às vezes em locais distintos — em habilidades como prospectar clientes e liderar equipes. Os círculos tiram partido de recursos da plataforma como fóruns da comunidade, espaços de partilha de documentos, consulta à opinião do grupo e calendários de eventos e de disponibilidade de mentores. Já que o software de apoio traz certos recursos de redes sociais, um orientando é capaz de se conectar a outros com muito pouca ajuda direta do RH; à medida que um círculo amadurece, em geral começa a haver mentoring peer-to-peer. É comum os gerentes dividirem a responsabilidade pela orientação dentro de um círculo — três executivos podem, por exemplo, trabalhar juntos para assessorar um grupo de nove funcionários. Conversas cara a cara, teleconferências e webcasts complementam o coaching online.
A empresa de telecomunicações britânica BT dá outro exemplo de mentoring em grupo com um programa de aprendizado peer-to-peer batizado de Dare2share. “Descobrimos que 78% do nosso pessoal preferia aprender com os colegas, mas pouco dinheiro ou atenção eram investidos nisso”, explica Peter Butler, diretor de aprendizado da BT.
O Dare2share é uma plataforma de colaboração social que permite a uma pessoa transmitir conhecimento e insights aos colegas em breves podcasts (cinco e dez minutos) de áudio e vídeo, feeds RSS e linhas (threads) de discussão, bem como por documentos tradicionais de treinamento. Funcionários da BT podem conferir o conteúdo do Dare2share e classificar cada módulo de ensino de acordo com a relevância e a qualidade. Se quiserem saber mais sobre o tema abordado por um módulo, podem entrar em contato com a pessoa que o postou e pedir mais informações.
Embora os quatro meses do estágio de testes acabem de ser encerrados, o programa já está dando resultados: novos funcionários estão se aclimatando à empresa com mais rapidez e custos de treinamento caíram. O Dare2share virou a ferramenta preferencial de comunicação de certos executivos. O presidente de uma divisão de negócios, por exemplo, passou a usar o programa para anunciar resultados trimestrais em breves vídeos, o que dá exposição maior à mensagem.
Mentoring anônimo
Esse método emprega testes psicológicos e uma avaliação do perfil dos participantes para casar o orientando com um mentor qualificado de fora da organização. A interação é eletrônica e tanto o orientando como o orientador (em geral um coach profissional ou executivo experiente) permanecem anônimos. A relação, pela qual a empresa do orientando em geral paga, dura de 6 a 12 meses. Numa interação típica, o orientando pode enviar uma mensagem como esta:
Oi Mentor, amanhã à tarde vou apresentar as projeções do quarto trimestre ao conselho de administração. Como vou dar más notícias, estou bem nervoso. Aliás, MUITO nervoso! Algum conselho?
O mentor poderia responder:
Meu caro, recebi sua mensagem. Gostaria de dizer que já fiz literalmente centenas de apresentações — de notícias boas e ruins.
Quando tenho uma má notícia, acho melhor apresentar uma análise da relação custo/benefício do fato. Descobri que essa quantificação elimina a subjetividade da mensagem (e de seu autor) e permite que todas as partes se concentrem no que podem fazer para resolver o problema.
Chegue com um plano de mitigação. Ou seja, sugira potenciais soluções para o problema. Descobri que o conselho gosta de tomar decisões e, então, sugerir alternativas para que possa decidir é ótimo! Por último, ensaie a apresentação com alguém. Seja quem for essa pessoa, permita que lhe faça críticas. Assim, a experiência real será muito mais fácil.
Boa sorte e me conte como foi.
Um dos mentores com quem falamos é Bob Wall, um americano de 64 anos. Com uma experiência de 29 anos como consultor e coach de executivos, Wall a princípio não podia imaginar que o mentoring em caráter anônimo pudesse funcionar. Mas, quando lhe juntaram com um orientando, ficou surpreso em ver como combinavam. “Minha sensação era a de que era um irmão gêmeo”, disse. “No final, foi um relacionamento altamente íntimo, ainda que totalmente anônimo.” Aliás, “quando os seis meses chegaram ao fim, foi como perder um amigo querido”.
Tanto mentores como pupilos nos disseram que o anonimato foi uma dádiva inesperada. Joanna Sherriff, 33 anos, vice-presidente de serviços criativos da americana Decision Toolbox, é um exemplo. “Minha primeira reação foi achar que seria estranho — e no começo foi meio difícil”, diz. “Com o tempo, porém, pude enxergar o porquê do anonimato. Nunca teria dito ao mentor certas coisas que disse se ele ou ela soubessem quem eu era ou em que empresa trabalhava.”
Um benefício adicional? O fuso horário não importa. Sherriff trabalha em sua casa em Tauranga, Nova Zelândia. Já seu mentor estava nos EUA.
Vantagem para toda a organização
Melhorar a capacidade da empresa de dar a seus funcionários uma orientação sincera, oportuna e útil não vai beneficiar apenas o pessoal na faixa dos 20. Quando pedimos que os participantes da pesquisa avaliassem a importância de oito habilidades gerenciais específicas, indivíduos de todas as gerações atribuíram alto valor a ter um gerente que “dê um feedback honesto”. E, no entanto, quando pedimos a 300 diretores de RH que avaliassem a capacidade de seus gestores nesses oito quesitos, dar feedback ficou em último lugar. Claramente, há uma importante lacuna a ser preenchida na empresa.
Todo funcionário quer se sentir valorizado, com autonomia, motivado no trabalho. É uma necessidade fundamental, não uma questão de geração. E, embora a geração X e a geração Y falem abertamente e até exijam maior flexibilidade no emprego, a geração do pós-guerra e a tradicionalista (também conhecida como “Geração Silenciosa”) querem o mesmo, ainda que sejam mais discretas na expressão desse anseio. Nesse sentido, a geração do milênio estaria exigindo mudanças desejadas por todas as gerações.
“Sigo aprendendo e crescendo?” é uma pergunta que repercute com funcionários de toda idade. O modo como a organização os ajuda a responder a essa pergunta pode ser sua vantagem competitiva na hora de atrair, cultivar e reter os talentos de amanhã.
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Jeanne C. Meister (jeanne@futureworkplace.com) é cofundadora da Future Workplace. É au­to­ra de dois livros sobre universidades corporativas. Com Karie Willyerd, escreveu The 2020 Workplace: How Innovative Companies Attract, Develop, and Keep Tomorrow’s Employees Today (HarperBusiness, 2010).Karie Willyerd (karie@futureworkplace.com) é cofundadora da Future Workplace. Foi diretora de aprendizado da Sun Microsystems e diretora de aprendizado e desenvolvimento da H.J. Heinz.

Fonte: Revista Harvard Business Review - fev/2011